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Esportes

Com recorde de atletas, corrida de São Silvestre terá centésima edição

Mais de 50 mil corredores estão inscritos

29/12/2025 10h06
Por: Redação
Fonte: Agência Brasil
© Rovena Rosa/Agência Brasil
© Rovena Rosa/Agência Brasil

Em uma viagem a Paris, o jornalista Cásper Líbero ficou maravilhado com uma corrida realizada à noite. Decidido a promover algo semelhante no Brasil, ele idealizou uma prova que deveria ocorrer sempre no último dia do ano. E foi assim que, em uma noite do dia 31 de dezembro de 1925, foi realizada a primeira Corrida de São Silvestre da história. Ela recebeu esse nome em homenagem ao santo do dia.

“A São Silvestre foi uma ideia do jornalista, empresário e advogado Cásper Líbero. Ele estava passeando por Paris em 1924 e assistiu uma prova em que os corredores empunhavam tochas, fazendo um efeito super lindo à noite, com aquela vibração toda. Ele gostou, se entusiasmou e trouxe a ideia para o Brasil, para São Paulo. E já em 1925 ele criou a primeira edição da corrida de São Silvestre. Na época, inclusive, São Silvestre era escrito com Y. Foi aí que nasceu a nossa prova, que hoje está completando a sua centésima edição”, diz Eric Castelheiro, diretor-executivo da Corrida Internacional de São Silvestre, em entrevista à reportagem do programa Caminhos da Reportagem , da TV Brasil , emissora da Empresa Brasil de Comunicação - EBC .

Disputada inicialmente na virada do ano, a primeira edição contou com 60 inscritos, mas apenas 48 deles participaram da largada, que ocorreu no Parque Trianon, na Avenida Paulista, às 23h40. Eles percorreram 8,8 mil metros pelas ruas de São Paulo e a corrida acabou sendo vencida por Alfredo Gomes, que completou o percurso em 23m19s.

“O Alfredo Gomes era um atleta negro. Em 1924, um ano antes da primeira edição da São Silvestre, ele já fazia sucesso porque estava representando o Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris. Ele foi o primeiro negro a representar o país”, explica Castelheiro.

Desde então, a São Silvestre se tornou a corrida mais tradicional e conhecida do país e só deixou de ser realizada em 2020, devido à pandemia da covid-19. No ano passado, a prova completou 100 anos de sua história, mas é somente neste ano de 2025 que ela chega à sua centésima edição, alcançando um recorde de participantes com mais de 50 mil corredores inscritos.

Heróis

Em suas primeiras edições, apenas atletas brasileiros participavam da prova. Mas, a partir de 1927 foi permitida a inscrição de estrangeiros que moravam no Brasil, o que vez com que o italiano Heitor Blasi, radicado em São Paulo, vencesse as edições de 1927 e 1929. Blasi foi o único estrangeiro a ganhar a prova na chamada fase nacional da corrida, que durou até 1944.

A partir de 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a corrida passou a contar com a participação de atletas estrangeiros, mas inicialmente só para atletas da América do Sul. Foi só dois anos depois que ela passou a ser de fato mundial, dando início a um período de 34 anos sem vitórias de atletas brasileiros, o que só foi superado em 1980, com a vitória do pernambucano José João da Silva. As mulheres só começaram a competir em 1975, prova que foi vencida pela alemã Christa Valensieck.

Lágrimas e gritos

Em entrevista ao programa Caminhos da Reportagem , da EBC , o empresário e ex-atleta José João da Silva recordou daquele dia em que quebrou o tabu. “O povo começava a chorar, a gritar. O Osmar (de Oliveira, meu médico) começou a gritar e a chorar. Era [a quebra] de um tabu. O primeiro brasileiro a vencer”, conta. “Eu fui o abençoado, vamos dizer assim. Cheguei e consegui esse marco. Essa vitória foi um grande marco”, recorda.

Ele, que começou a trabalhar muito cedo, ainda criança, nas roças de Pernambuco, não fazia ideia do que aquela vitória na São Silvestre significaria para a sua vida. “Parou o país. Foi como uma Copa do Mundo. O povo queria invadir e foi contido pela polícia. Eu não sabia o tamanho [dessa vitória]. Depois a gente fica meio [assim], dá até vontade de chorar. É muito impactante. A tua vida muda totalmente”, recorda.

Um brasileiro como José João da Silva e que vence essa prova acaba se tornando uma espécie de herói para a população, destaca o diretor da corrida. “Esses atletas [brasileiros], que estão em um evento tão representativo e que tem tanto alcance e história, acabam virando ídolos”, assegura.

“Um atleta de uma corrida de rua está correndo o tempo todo em todo lugar. Então, ele acaba sendo aquele super-herói humano. Ele parece um super-herói, mas ele também é humano igual a você. Então acho que isso acaba trazendo muita identificação”, garante.

Recorde

Isso foi o que aconteceu com Marilson Gomes dos Santos , o brasileiro que mais venceu a São Silvestre desde que ela se tornou internacional. Foram três vitórias, conquistadas em 2003, 2005 e 2010.

“Os brasileiros torcem muito para [os atletas] brasileiros, independente de qual modalidade for. Na São Silvestre a gente pode sentir isso. Quando você ganha, vemos mais pessoas querendo correr também, querendo participar de prova de rua. Eu vi muitos depoimentos e até hoje escuto pessoas falando que começaram a correr porque me viram correr a São Silvestre, porque me viram ganhar a São Silvestre em 2003”, assegura.

Maria Zeferina Baldaia também sentiu uma grande mudança em sua vida após participar e ganhar a corrida em 2001. Ela, que trabalhou por 20 anos como boia-fria [termo popular usado para ser referir a um trabalhador rural], recorda como começou a correr até se tornar referência no esporte. “Eu trabalhava como boia-fria e, na hora do almoço, desde criança, eu corria. Já saia correndo pelo carreador que são as estradas largas que dividem a cana dos dois lados”, conta.

“Corri durante 15 anos descalça, porque eu não tinha tênis. Meus pais não tinham condições de comprar um e, mesmo assim, eu continuei correndo, apesar dos cacos de vidro e do sol quente. Eu tinha o objetivo de ajudar a minha família, então corri durante 15 anos descalça”, recorda.

Inspiração

U m dia ela estava assistindo a uma corrida da São Silvestre na casa de uma vizinha e surgiu a inspiração para participar do evento. “Eu vi a Rosa Mota ganhar, uma portuguesa, que ganhou a São Silvestre seis vezes. Eu corri para casa e falei para a minha mãe: ‘mãe, uma mulher pequeninha ganhou a corrida lá em São Paulo, a Corrida de São Silvestre. Será que um dia eu também posso ir lá correr?”.

Quinze anos depois de assistir a última vitória de Rosa Mota pela TV, Maria Zeferina conseguiu realizar o seu sonho e se tornou inspiração para muitas outras mulheres.

“Eu me espelhei na Rosa Mota. Depois da minha vitória na São Silvestre eu escuto de muitas pessoas que me procuram - muitas mães, mulheres e meninas - que querem ser igual a Maria Zeferina. Eu costumo dizer que, assim como a Rosa Mota foi meu ídolo e minha inspiração, eu hoje sirvo de inspiração, motivação e espelho para outras pessoas. Isso não tem preço”, assegura.

Esse reconhecimento também ocorreu em sua cidade. O centro olímpico de Sertãozinho, no interior paulista, acabou sendo batizado com o nome da corredora, uma forma de eternizar sua trajetória e inspirar as futuras gerações. “Poder estar fazendo hoje o que eu ainda faço, que é correr, e poder treinar lá no centro olímpico e ver as crianças, jovens e adultos fazendo o que eu ainda faço, isso não tem preço”, explica a atleta.

“Zeferina é uma marca muito forte porque é uma mulher brasileira e uma pessoa extremamente acessível. Isso muda muito a figura do atleta. No caso dela, sendo vencedora, mas, ao mesmo tempo, a pessoa que acolhe e que é muito gentil na conversa, a torna uma pessoa muito acessível. E ela tem também a história de que não nasceu atleta: ela cortou cana, teve uma vida muito dura e virou atleta. Então, ela também é a imagem do possível”, salienta Martha Maria Dallari, atleta e personal trainer . “O atleta de corrida de rua é muito próximo. Ele divide o chão pelo qual eu passei. Eu fiz a prova que a Zeferina fez. Eu fiz a prova que o Marilson fez. Estas são coisas muito fortes, da gente estar muito perto, compartilhando disso [com eles]” enfatiza.

Maiores vencedores

A maior vencedora da São Silvestre é a portuguesa Rosa Mota, com seis vitórias consecutivas alcançadas no início dos anos 1980. Em seguida, está o queniano Paul Tergat: cinco vitórias. Entre os brasileiros, o título fica com Marílson Gomes dos Santos: três vitórias.

Desde 1945, quando a competição se tornou internacional, os brasileiros conquistaram 16 vezes essa prova, sendo 11 conquistas entre os homens e cinco entre as mulheres. No masculino, a última vitória brasileira foi conquistada em 2010, com Marilson Gomes dos Santos. No feminino, a última vitória foi com Lucélia Peres, em 2006.

“Tive a oportunidade de correr muitas provas, em outros países. Mas correr dentro de casa, no último dia do ano, com as pessoas comemorando e muita gente acompanhando pela TV e torcendo, pessoalmente é uma energia contagiante”, opina Marilson, em entrevista à reportagem do programa da TV Brasil . “É uma prova que, sem dúvida nenhuma, qualquer atleta que se preze quer ganhar. E qualquer atleta tem que se preparar muito para chegar bem, tem realmente que visar como se fosse a prova da vida, porque foi a prova da minha vida”, acrescenta.

Prova democrática

Atualmente, a São Silvestre é aberta para todos os públicos, com largadas especiais para mulheres e homens corredores de elite e também para cadeirantes, demais atletas PCDs e atletas amadores. Além disso, ela conta com uma edição especial, realizada em um outro dia e no Centro Olímpico do Ibirapuera, chamada de São Silvestrinha, onde competem crianças e adolescentes.

“A gente tem uma organização de largada em ondas. Por exemplo, a prova começa às 7h25 com PCDs e os cadeirantes muito rápidos e que inclusive estão acostumados a disputar campeonatos mundiais e paralímpicos. Às 7h40 larga a elite feminina, [composta] por atletas de ponta de vários países. Às 8h05 larga a elite masculina em dois pelotões, A e B, por nível técnico, com os mais rápidos à frente. Depois, vêm os outros pelotões [e o público, em geral]”, detalha o diretor da corrida.

Isso, diz ele, faz com que a prova seja bastante democrática, contando com a participação de pessoas de diversas partes do país e do mundo.

Quebrando marcas

“A gente sempre fala que a São Silvestre é uma das mais democráticas competições esportivas e até do entretenimento porque nem todo mundo vem para competir. Tem gente que vem para fazer realizações pessoais, quebrar sua própria marca e por seu próprio objetivo. Cada um vem com seu plano e todo mundo é bem recebido”, enfatiza Castelheiro. Isso é, inclusive, o que torna a São Silvestre mais especial, destaca Martha Maria Dallari. “O forte da São Silvestre são essas histórias, são essas pessoas que resolvem correr, desafiar, encontrar amigos e celebrar o ano novo”.

Acrescenta que outro aspecto importante é que a corrida de rua faz com que as pessoas voltem a se conectar e se apropriar do espaço público.

“Quando você corre a São Silvestre, você corre por alguns dos lugares mais bonitos da cidade ou por lugares que são marcos na cidade. Essa é uma forma de se conectar com a história e com os pontos históricos da cidade”, salienta.

O programa Caminhos da Reportagem - 100 Vezes São Silvestre , e que celebra a centésima edição da corrida, vai ao ar nesta segunda-feira (29), excepcionalmente a partir das 22h30, na TV Brasil, emissora da EBC.